Se fizermos um retorno ao passado percebemos o quanto de frustrações vamos acumulando durante a nossa existência, desde que nascemos lidamos com perdas, com desilusões, com a falta de...
Foi a perda do primeiro dente, a mãe que te deixa no canto quando chega mais e mais irmãos, a amiga da escola que resolve não ser mais sua amiga, a viagem que não aconteceu, o brinquedo que não veio e lá se vão os anos e novas decepções, e mais sofrimento...me pergunto para quê tudo isso?
Sabemos da fragilidade do existir, da impermanência da vida mas mesmo assim nos enchemos de expectativas e certezas...
Mas de que mesmo? Que falta é essa? Onde guardamos tanta ilusão?
E de tanto questionar, ler e buscar respostas encontro uma crônica que me chamou muito a atenção pela sua densidade e complexidade, ela nos chama a ver a vida com outros olhos e a parar de sofrer por algo que está somente de passagem...isso mesmo: estamos aqui de passagem e precisamos viver essa passagem com mais leveza e serenidade...deixo para vocês as palavras que desejaria proferir mas que a Lya Luft soube empregá-las com maestria:
“ADEUS ÀS ILUSÕES”
Acredito, sinceramente, que viveríamos bem melhor sem elas, as ilusões. Afinal, de que nos servem mesmo?
Alguém pode dizer que elas são como bálsamos em uma realidade árdua. Sim, é o que me parece, também. Entretanto, ao criá-las e alimentá-las estamos apenas fugindo, adiando o enfrentamento com essa nada ilusória realidade que, ao fim e ao cabo, sempre falará mais alto.
Tudo tem início a partir do nosso medo maior. O medo da nossa própria finitude que nos leva às ilusões de imortalidade, de vida eterna ou, o que é mais comum, à ilusão de ser possível não pensar no assunto, a “empurrar com a barriga”. Loucura!
A única certeza concreta que a vida nos oferece e, ao invés de - a partir daí - valorizarmos o viver, como experiência divina para alguns ou como experiência meramente sensorial e incrível para outros, ou ambos.
Mas não. A partir daí, inicia-se um incessante constructo de ilusões e a vida passa a ser irreal ou, quando consegue ser mais interessante, surreal.
As ilusões do amor. A alma gêmea. O casamento. Os votos. As juras. As testemunhas. O juiz. O padre, o pastor, ou outro “líder Espiritual. A festa. O amor único e eterno. A fidelidade eterna. O amor verdadeiro. Amor?!... Ao outro como a si mesmo? Ou um amor possessivo, obsessivo, destrutivo? “Acho que isso não é amor... Será?...” Tudo imaginação: Ilusão.
“Nos fins do século XVII o amor teve um novo alento. Nasceu cheio de sonhos e de fantasias. Era o amor romântico, o amor de Pierrot e Colombina, o amor de Romeu e Julieta, o amor de Tristão e Isolda, todos rígidos e marcados por impossibilidades. Quanto mais obstáculos a transpor, mais apaixonado ele se torna. Entretanto, em um determinado momento, interesses econômicos introduziram esse tipo de amor no casamento, transformando toda a sua história. A chegada do amor romântico fez do casamento o meio para as pessoas realizarem suas necessidades afetivas.”
Portanto, esse amor romântico não passa de um “amor inventado”,que tanta gente adora, inclusive Cazuza.
E, assim, vamo-nos tornando mais e mais vulneráveis aos revezes da vida. Esta, sim, plena de realidade. A cada ilusão perdida equivalem alguns sofrimentos. Verdadeiro calcanhar de Aquiles, exposto às constantes flechadas disparadas pelo certeiro arco da realidade.
Alguns, mais pretensiosos, entoam queixumes: “Por que comigo?!... Eu não mereço isto!”. E, rapidamente, se apegam a outras ilusões. Coooreee!
Como pano de fundo nesse mar de quimeras, a grande, a majestosa ilusão da felicidade. Alguém saberia dizer o que é essa tal? Seria curtir, se divertir, ter grana, viajar, ser famoso, adquirir, consumir, viver confortavelmente, ter um xodó, uma família?... Conheço inúmeras pessoas com todo esse acervo, às quais eu não adjetivaria como felizes.
O grande ganho da humanidade será, num momento de suprema coragem, reconhecer que a felicidade não existe. Ora, em não existindo a felicidade, cairá por terra toda e qualquer possibilidade de ser-se infeliz.Esta me parece a grande questão e o grande imbróglio criado por essa dependência de ilusões.
Iludimo-nos que somos boas pessoas quando o espírito natalino nos “possui” e somos solidários dando presentes a criancinhas pobres, pegando cartinhas nos Correios, nos shoppings ou, quando muito bonzinhos, visitando um orfanato, um asilo. Depois, o tal do espírito natalino desencarna e voltamos ao nosso grande interesse que é o centro do nosso próprio umbigo. A dor, a fome, a miséria, a indignidade de vidas alheias não nos interessam. Ao menos não até o próximo ”bom velhinho” voltar.
E, por falar nisso, não podemos esquecer que essa nossa necessidade de ilusões constitui-se no leitmotiv da ciência do marketing. É em cima dessa característica humana que desejos e necessidades são criados e nos empurrados goela abaixo. E o “bom velhinho” é o maior e mais deletério exemplo disso. Ora, a festa é de outro cara. Um cara especial, independente de ser filho de A ou B. Subversivo, transgressor nas suas mensagens e atitudes embasadas no amor, um amor maior. Aí, aparece de penetra o velho gordo com o saco vermelho repleto de presentes (ilusões) e rouba a cena. Vamos ser felizes! Todos ao shopping! Rô Rô Rô! E nós, sedentos por ilusões, fazemos coro: dingoubel!
Ah!... as ilusões!... Prato cheio para outro grande maleficio que são as religiões. Contra os nossos medos, doses maciças de ilusão. Nada contra a fé de quem quer que seja, mas um mínimo de lucidez é essencial. Dizer amém, aleluia, axé, namastê e tals, da boca pra fora, é auto ilusão, talvez a sua forma mais nefasta. Quando o cego não quer ver, não adianta acenderem-se os holofotes.
Enfim, eu acredito – e estou tentando – que, somente dizendo adeus às ilusões é que poderemos experenciar a resiliência, exercitar a inteireza, e assim viver.
Realmente, viver!
“A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranquilidade, querer com mais doçura.” (Lya Luft)
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