Buscando entender conceitos, diferenças, semelhanças e aproximações sobre AMOR e PAIXÃO tive a oportunidade de conhecer a obra de um escritor português Miguel Esteves Cardoso, um autor contemporâneo que tem uma trajetória bastante curiosa diante das suas produções literárias, depois de ter escrito vários livros e se tornar cronista de alguns jornais portugueses hoje concentra-se no seu trabalho de blogueiro, no blog PÚBLICO o qual escreve e comenta sobre diversos temas e assuntos.
Descubro assim um texto que escreveu sobre esse tema que tanto nos intriga na sua compreensão pequena e restrita quando diante de estar vivendo ou experienciando uma relação amorosa, em "Explicações portuguesas" ele traça pontos possíveis de serem sentidos e compreendidos em toda a sua simplicidade e/ou complexidade.
Até onde o que sentimos é paixão? quando deixa de ser paixão e se torna amor? o que vem primeiro o amor ou a paixão? existe amor sem paixão? e lá se vai uma infinidade de perguntas com respostas as mais variadas...fieis ou não aos nossos princípios...compartilho com vocês o texto que ele tão brilhantemente me convenceu sobre a veracidade das suas crenças:
O amor maior
O amor é preocupação. Ter o coração já previamente
ocupado. Ter medo que alguma coisa de mal aconteça à pessoa amada. Sofrer mais
por não poder aliviar o sofrimento da pessoa amada do que ela própria sofre.
O amor é banal. É por isso que é tão bonito. O que se quer da pessoa amada:
antes que ela nos ame também, é que ela seja feliz, que seja saudável, que tudo
lhe corra bem. Embora se saiba que o mundo não o permite, passa-se por cima da
realidade, do raciocínio do que é possível, e quer-se, e espera-se, que Deus
abra, no caso dela, uma excepção.
A paixão pode parecer mais interessante. Mas irrita-me que se compare com o
amor. Como se pode comparar dois sentimentos que não têm uma única semelhança?
Se o amor e a paixão coincidem, é como a cor do céu e do mar num dia de Verão —
é uma alegria, mas nada nos diz acerca do que distingue o ar da água.
Dizer que o amor pode começar como paixão é uma forma falaciosa de estabelecer
uma continuidade entre uma e outra, geralmente pejorativa para o amor, que é
entendido como um resíduo da paixão, uma consequência menos alterosa, mas mais
profunda, menos excitante mas mais eterna.
O amor começa pelo amor. É o céu. O céu foi criado primeiro. A paixão é um
simples impulso físico, material, mensurável, explicável por todas as ciências
da atracção. É o mar. O mar está mais perto de nós. Podemos chegar ao fundo
dele. A diferença entre o amor e a paixão é como a diferença entre a cosmologia
e a oceanografia. O mar tem fim, tem peso, tem vida. O céu não tem limite. O
céu é dos astrónomos e dos poetas, que sabem que hão-de morrer sem percebê-lo.
O mar é dos cientistas e dos observadores, que podem passar a vida dentro dele,
sabendo que é finito e perceptível. O céu, como o amor, tem Deus acima dele. O
mar, como a paixão, tem o Homem lá dentro. Compare-se o efeito que os anjos têm
sobre nós com o que têm as sereias e perceber-se-á a distância entre a religião
e a mitologia. A religião é uma coisa de Deus, do amor — a mitologia é uma
coisa de pessoas-feitas-deuses, de paixão.
Como coincidem tantas vezes amor e paixão, é preciso isolá-los para não
confundi-los. Basta responder à velha pergunta, sem responder depressa, com as
velhas mentiras com que nos enganamos uns aos outros: «Se essa pessoa só
conseguisse ser feliz amando outra, seria capaz de desejar que isso
acontecesse, custasse o que me custasse?» Só quem ama responderá que sim.
Imediatamente. Porque o amor é claro, é inevitável e, para além do mais, é um
dom maior, maior que o amor-próprio, uma dádiva que ultrapassa as privações e o
sofrimento.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Explicações de Português'
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